Luciana Konradt
És barro ancestral moldando estrelas no estômago. Chuva de raio seminal plantando gerânios no lodo. Voo de borboletas azuis, em bandos, dentro do travesseiro.
Muitas vezes, tu és fluída, escorregadia, fugidia. Em outras, tens a ilusão fugaz das certezas. Às vezes, recuas. Enormes promessas desfeitas sobre a mesa. Ovo de avestruz devolvido ao ninho. Noutras, avanças produtiva e viva. Luz que faz brotar sementes no caderno de rascunhos. Dança de rãs voadoras sobre a lavoura dourada. Não podes ser domada. No máximo, por algum tempo, aceitas roupagem que não é tua. Mas sufocada, bem vestida e comportada, encontras frestas. E escorres arteira, livre como o mel, ou o fel, entre os dedos e medos que te aprisionam. E quando, despida de rótulos, perfumes, fórmulas e métricas, resolves de expressar, és besouro colorido. Inseto neon que emerge, no meio da noite, das águas negras e, implacável, ataca a jugular de seu carcereiro. E corta com o vento a espada de seu carrasco.
És, enfim, a palavra liberta.
* Publicado, também, no livro Bordados do Tempo/ Luciana Konradt, Editora Cinco Gatas, 2021, página 71, com o título "Tempo de Escrever."